REDAÇÃO OBSERVATÓRIO 3º SETOR CAPTAÇÃO DE RECURSOSOBSERVATÓRIO EM MOVIMENTO

Para impedir fraudes, há uma série de regras que definem para quais fins as OSCs podem destinar o dinheiro obtido por meio de incentivos fiscais. É importante ficar atento a essas regras

Por Edmond Sakai

A legislação e a institucionalização do terceiro setor avançaram enormemente nas últimas três décadas, graças aos esforços e articulação dos profissionais da área.

Desde o final dos anos 90, diversas leis entraram em vigor, ordenando a atividade da sociedade civil organizada.

A captação de recursos é um pré-requisito obrigatório para que as organizações não-governamentais possam resolver problemas sociais, ambientais e atender a quem mais precisa.

Um dos mecanismos mais utilizados para captar as somas necessárias para colocar em prática ações sociais são as leis de incentivo fiscal, em que empresas podem destinar parte dos lucros para apoiar iniciativas da sociedade civil.

A mais conhecida é a Lei de Incentivo à Cultura, ou Lei Rouanet, de 1991, mas há diversas outras, como a Lei de Incentivo ao Esporte e diversos fundos do Idoso e da Criança e do Adolescente, e além dos artistas e atletas, organizações da sociedade civil que atendem crianças em situação de vulnerabilidade social, por exemplo, podem usar as leis de incentivo em seu mix de captação de recursos.

Sabemos que, em nosso país, a legislação muitas vezes é confusa e complexa, dando margem para que atores de má fé desvirtuem a função da lei e desviem recursos que deveriam ir para quem mais precisa.

Para impedir e dificultar fraudes, há uma série de regras que definem para quais fins as OSCs podem destinar o dinheiro obtido por meio de incentivos fiscais.

Alerta sobre prática ilegal e antiética

Desde 1999, a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) atua para estabelecer uma ampla rede nacional de captadores e incentivar o desenvolvimento da atividade, incluindo os aspectos legais e regulatórios e o compliance aos padrões éticos mais elevados.

No final de 2019, a ABCR emitiu uma carta de alerta a centenas de empresas que atuam como apoiadores e patrocinadores de projetos via Leis de Incentivo para chamar a atenção para uma prática que fere o Código de Ética da entidade e a lei.

Segundo as leis que regem os principais mecanismos de incentivo via renúncia fiscal, dentre as rubricas permitidas, profissionais de captação de recursos podem receber até 10% do total de recursos captados a título de remuneração, até o limite de R$ 100 mil.

Mas, a remuneração a esse profissional deve ser feita apenas pelo proponente, ou seja, pela OSC ou produtor cultural que irá realizar o projeto, não pelas empresas patrocinadoras. Infelizmente, se tornou comum a prática da contratação pelas empresas patrocinadoras de profissionais ou consultorias especializadas em prospectar ativamente projetos e iniciativas que tiveram a captação via leis de incentivo aprovada, mas ainda não receberam o patrocínio.

Esses profissionais são nominalmente remunerados pelas proponentes, com os recursos da rubrica orçamentária de captação, mas estão trabalhando para as patrocinadoras.

Essa prática inverte a lógica das leis, em que os proponentes devem ser a parte ativa na busca por patrocínios. Mais do que isso: gera vantagem financeira indevida às empresas patrocinadoras, e prejuízo às proponentes e aos profissionais de captação de recursos que trabalham para elas.

Afinal, economizam no pagamento de impostos, na prática se apropriando de dinheiro público, e jogam esse ônus para as proponentes, que deixam de contratar seus próprios captadores de recursos e ficam à mercê dos profissionais das patrocinadoras encontrarem seu projeto e se interessarem por ele.

As empresas patrocinadoras podem e devem contratar profissionais ou empresas especializadas para ajudá-las nesse processo burocrático de destinar doações para projetos sociais ou culturais, mas esses profissionais devem ser remunerados pelas patrocinadoras, com recursos próprios.

Assim, estabelecemos uma relação ganha-ganha, em que as empresas, proponentes e profissionais saem satisfeitos e o setor como um todo se fortalece.

Importante ainda mencionar que, como resultado do trabalhado de advocacy da ABCR desde 2019, a captação de recursos foi finalmente incluída na edição do Código Brasileiro de Ocupações em fevereiro passado.

Isto significa que as ONGs podem registrar formalmente a(o) profissional como captadora(o), sem precisar recorrer a outras ocupações como assistente administrativo, por exemplo. É uma conquista importante, pois poderemos ter estatísticas desta profissão bem dinâmica.

Tenho certeza de que, com o alto nível profissional e éticos dos captadores de recursos, seguiremos evoluindo e melhorando as práticas de nosso setor nessa nova década que se inicia.

Temos muito trabalho à frente. Afinal, estamos vivendo uma crise financeira e a captação de recursos – profissão de prestígio em inúmeros países – é extremamente demandada.

*

Sobre o autor:

Edmond Sakai é diretor de RI, Mkt&Com da ONG humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.

https://observatorio3setor.org.br/observatorio-em-movimento/captacao-de-recursos/leis-de-incentivo-podem-apoiar-projetos-sociais/